quarta-feira, 9 de setembro de 2015

num setembro qualquer

algumas lembranças ainda estão bem nítidas. outras eu perdi com o tempo ou fiz questão de perder. mas era de manhã. menina de um tudo estava deitada no chão da sala com a tv ligada no globo cor especial - aquele programa que começava com "não existe nada mais antigo do que cowboy que dá cem tiros de uma vez". os velhos que nem eu devem se lembrar. bom, algum desenho via quando dois homens bem grandes chegaram na casinha térrea e pequena onde morávamos no final da asa sul. reconheci-os como parentes, mas não dei muita bola. perguntaram da minha mãe. disse que ela estava trabalhando. me mandaram desligar a televisão e quando questionei a razão responderam que havia um problema de eletricidade. lógico que não acreditei e fui xeretar nas janelas vizinhas se as tvs estavam desligadas. voltei pro desenho. aí não me lembro direito o que aconteceu. quando nossa mãe chegou em casa chorando, nos deitamos com ela na cama e ela contou que o pai e o marido tão amado por ela tinha morrido. como assim, morreu? ele saiu de casa cedo como fazia todos os dias úteis. se despediu de mim com um beijo e morreu? aí as lembranças vão se perdendo, afinal isso tudo foi há quarenta anos. mas ainda recordo de a casa ir se enchendo de parentes, de minha avó materna desmaiando e de termos sido exportados para um apartamento onde nos deram sorvete. depois nos colocaram em um carro e nos levaram para goiânia. ficamos na casa da vó, cuidados pela maria. não vi meu pai morto, nem sendo enterrado. as minhas lembranças são de um homem lindo, alto, de sorriso com a gengiva aparecendo, que gostava de cerveja e cigarro e de música sertaneja. me lembro também da belezura que era o casal stella e clécio. não sei se foi mais acertado nos poupar de vê-lo no caixão. poderia ter sido o ritual de passagem que eu, pelo menos, nunca tive. há quarenta setembros perdi meu pai e é impressionante como isso ainda dói. se pudesse conversar com ele hoje, diria que entre trancos e barrancos tudo deu certo. nós três viramos pessoas muito do bem. mas é uma dor doída ele não ter conhecido os nossos meninos. os meus e os que são também meus, mas vieram dos meus irmãos. além desses, há os que a vida nos deu, que são igualmente nossos. bom...sinto muito sua falta, seu clécio josé e que burrice a sua de ter morrido. nem sabe o que está perdendo!

sábado, 18 de julho de 2015

to be old

Ser e estar em inglês é a mesma palavra. I’m old tanto vale para sou velha quanto para estou velha. Mas, em bom português, a diferença é bastante razoável. Nesse dia de aniversário, quando me aproximo – ainda falta um pouco gente – perigosamente dos cinquenta preciso admitir que quase sou velha, mas estou longe disso. Passei a detestar meus aniversários lá pelos 37 anos, a não ser, é claro, a parte de ganhar presentes. Cada ano que passa vem galopante a sensação que meu tempo está se esgotando e como eu gosto demais da conta disso de viver é tudo muito angustiante. Aos meus 16 ou 15 anos tinha a certeza de que não passaria dos 35. Isso porque meu pai morreu com trinta e poucos e estava certa que repetiria essa sina. Bom, tô bem viva de marré de si. Aos 40 a angústia foi outra. Pirei para saber como deveria me comportar a partir de então, quais roupas usar. Não tinha a menor ideia se poderia continuar frequentando os meus botecos favoritos, ou fazer sexo casual, ou dar risadas altas, ou me emocionar em momentos inapropriados. Essa é a palavra: inapropriada. Como eu deveria me comportar a partir dos 40? Promovi algumas mudanças. As saias ficaram mais compridas. Nada de barriga de fora. Tentei ser mais contida, mas desconfio que nada funcionou muito bem. Quando me olho o espelho grita que engordei vinte quilos desde os 18 anos. Quilos esses que tento desesperadamente fazer sumir, mas que teimam em ficar por aqui. Eles simplesmente decidiram que é nesse meu corpinho bacana que eles querem morar. O rosto, graças à doutora Clara, continua esticadinho. Pode ser que por ser otimista que a imagem refletida me é bastante camarada. Não enxergo a mulher de quase 50 – repito que ainda falta um tanto. O complicado, no entanto, é que eu não consigo estar velha, apesar de ser. O meu espírito de porco continua firme e forte. Tenho ainda sonhos adolescentes, como o de conhecer o mundo, começar outra carreira, ter mais um filho, quem sabe. Tenho a esperança e os sonhos como guia. Me recuso a entregar os pontos. Além disso, não dou conta ainda de me vestir adequadamente como uma senhora. Meu armário coleciona jeans, camisetas transadas, tênis, sandalinhas rasteiras e vestidos maneiros. Não tenho um único paletó, uma calça de linho, um scarpin ou uma saia lápis. Inapropriado é meu guarda-roupa. Talvez o reflexo da minha própria inapropriação. Mais um ano se passou. I’m old, but i’m not old e continuo inapropriada.   

sábado, 13 de junho de 2015

carta para santo antônio

oi, santo antônio. começo me desculpando pelo meu maucaratismo galopante. com tanta gente por aí que crê em santos e em deuses, eu, uma herege juramentada, estou aqui para te atormentar. o mais grave, santo antônio, é que eu sou uma chata e o meu pedido vai ser dos mais custosos. em compensação, entenderei se você (não sei como me referir a santo!) der prioridade a outras solicitações. além disso, seu santo, eu prometo não te congelar no freezer, muito menos te jogar na sibéria - na verdade, nem sei exatamente onde fica esse lugar.
bom, desculpas apresentadas, lá vai minha demanda. eu não quero um namorado - já passei pela fase de ter um homem para chamar de meu mesmo que ele seja eleitor do aécio neves, fã do belo e usuário de colar de ouro. eu quero o namorado - ah! possivelmente vai ser para sempre namorado, porque também não sei se estou com vontade de casar de novo. a não ser, é claro, que você me mande o cara.
quem seria esse namorado, então? bom, não me importo muito com aparência ou idade, se bem que panturrilhas bem definidas são um espetáculo (adoro ficar reparando nas panturrilhas masculinas). assim, santo antônio, altura, peso, cabelo e as demais aparecências do moço não estão entre os dez principais requisitos, mas é essencial que eu morra de tesão por ele e que queira me atracar sempre que o vir. aliás, é crucial  que a recíproca seja verdadeira e que aproveitemos bem isso.
se físico não é o definidor, o caráter é. santinho (olha eu panhando intimidades e puxando o saco do antônio), o namorado tem que ser um sujeito completamente desprovido de preconceitos. precisa se preocupar com os mais pobres. ser inteligente o suficiente para compreender o mundo, sem ser pela visão da veja ou da globo. aliás, vamos combinar, que leitor da revista veja nunca vai ser o namorado. ah! os do tipo que odeiam também não servem. o mesmo vale para quem grita ou agride.
o namorado precisa gostar de futebol,  tocar um instrumento, ou ter muitos amigos. resumindo, meu santo, ele carece de ter o que fazer. eu sou uma senhora que preservo muito meus momentos solitários. passo horas costurando, bordando, lendo, escrevendo. então, necessito de pausas no namoro. é essencial que cada um tenha o seu mundo particular.
a profissão do namorado também não é definidora, mas ele tem que gostar do que faz e entender que eu gosto do meu ofício e de trabalhar. assim, ao invés de me atormentar porque vou chegar tarde nas terças e quartas, além de morta de cansada, ele pode ser do tipo que também tem tarefas. em compensação, chegarei cedo nos outros dias e cheia de amor para dar. ah! sofro de insônia. durmo muito tarde e acordo tarde, com um humor de doberman. melhora demais depois de uma da tarde. quase viro uma labradora. 
o namorado podia saber cozinhar. nem me importo de lavar as louças depois, mas queria muito alguém que matasse a minha fome. ah! o namorado deve ainda não atormentar se eu bater um pratão de feijoada, apesar de declarar estar de dieta. namorado bom bebe junto, mas me acode quando eu passar da conta (o que acontece normalmente depois da terceira lata de cerveja). outra coisa, meu santo. eu fumo e ainda não decidi se ou quando parar. então, se ele não me atormentar por conta disso é tudo de bom! não fumo maconha, porém, e não me incomodo se ele fumar. outras drogas considero mais complicado.
antes que você me mande praquele lugar, santinho, encerro por aqui as minhas reivindicações de o namorado. se bem que há outros aspectos vitais - o combinado não é caro. se o casal decidir ser monogâmico, nem vou me preocupar com escapadelas. o moço, se houver essa combinação, pode até cobiçar a mulher do próximo, mas que fique apenas na cobiça. agora, se o cobiçamento for além do que ele possa resistir, que seja discreto e plastifique tudo. agora, se o combinado for outro, que ele não se incomode comigo seguindo as regras. 
é esse meu pedido, santo antônio. agora, quero ver se você é mesmo craque. 
agradeço a atenção. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

seduz, caboclo, seduz!

a moça ficou muitos anos casada e deve ter perdido o bonde das novas relações. vai ver ainda é uma amante à moda antiga, mas não do tipo que morre por causa de flores, mesmo porque sempre curte mais os cartões - apesar de adorar quando o moço da floricultura bate na porta. acho que ela ainda é da categoria que curte muito o flerte, o jogo da sedução. me contou algumas lindas histórias de amor que viveu. um dia. quase uma menina, num show da cássia no bom demais. show que apenas ouvia, porque a mocinha na época preferia não enxergar um palmo na frente, do que se conformar em sair à noite com a quase lupa que corrigia uns dez graus de miopia. bom, mas naquele show um moço chegou junto e foi logo chutando a canela: como você é metida! além de quase uma mrs magoo, essa minha amiga era e é muito mal criada. qual é, cara? já chega batendo? ele riu e disse que a paquerava há um tempão e ela necas de dar bola. como o sujeito era um gato - de perto ela enxergava - explicou que não era soberba, mas cegueira. rapaz sentou na mesa. muitas risadas juntos. no dia seguinte, um cineminha, depois um beirute, depois uma visita surpresa dele na unb, depois uma flor catada na rua, meia dúzia de bilhetinhos lindos. eles se casaram uns meses depois. foram doze anos de um casamento feliz. um colega de firma. horas ao telefone, bilhetinhos fofos no para-brisa, caixinhas de chocolate amargo, comidinhas deliciosas que ora ele cozinhava e ora os dois descobriam em pequenos restaurantes da cidade. viagens rápidas, mais bilhetes fofos. se casaram alguns meses depois. em comum, entre esses dois homens, me conta ela, é o gosto pela sedução. em comum entre eles o jogo do apaixonar. um lance meio devagar, que esfria e esquenta...que encanta, que faz nascer a vontade de ver de novo...de novo...e de novo....pode ser que ela não esteja numa maré muito de sorte, ou pode ser que ficou cafona a brincadeira de seduzir, mas me diz que morre de saudade de uma boa disputa de sedução. seduz, caboclo, seduz!

terça-feira, 22 de julho de 2014

tpm

poucas coisas me irritam tanto quanto ouvir o comentário: tá nervosinha? deve ser tpm! como se eu não desse conta de ficar igualmente nervosinha nos 365 dias do ano. nunca fui muito de sofrer no período que antecede a menstruação, apesar de os peitos já enormes dobrarem de tamanho e a barriga passar a acreditar que está com seis meses de gravidez. mas, vez em quando me percebo muito mais brava do que o normal. faço umas contas e pimba! é a tal da tpm. hoje mesmo, quase saí no tapa com umas quatro pessoas diferentes. tudo bem que é absurdamente irritante não conseguir trocar um presente - experimenta fazer aniversário em períodos de liquidação para ver o que é bom para tosse - mas nada justificaria o impulso de ira que tomou conta da minha pessoa quando a vendedora veio com aquela conversinha: não trocamos produtos em promoção! pô! só queria um número menor! nem era para me dar outro modelo...só um 36! mas, dei uma respirada e consegui controlar a fúria galopante - quando eu era pequena, a minha avó me ameaçava com pneumonias galopantes cada vez que eu saía sem chinelos do banho fervendo. até hoje não sei bem como é essa tal pneumonia. raiva contida...decidi que um pretzel ajudaria - como de fato ajudou! mas, andando pelo shopping comecei a rir de mim. me toquei que passei uma hora e meia no salão xingando as revistas de mulherzinha! na caras a reportagem de uma atriz, modelo, manequim, manicure que teve filho há um mês e estava estonteante! sem uma mancha no rosto! cabelo lindo! vamos combinar que ninguém fica linda com filho recém-nascido. é um embagulhamento total. não dá tempo de cuidar da cabeleira, unha para fazer. as olheiras chegam na bochecha! aquela pança murcha e duas rodelas na camiseta! mas, se não fosse pela infeliz da tpm, nem teria ligado..só, daria uma risadinha e pensaria nos milagres do photoshop! bom..o jeito agora é brincar de estátua e fazer uma novena para que o sangue chegue logo! ah! e um conselho..quando a sua moça estiver com tpm, economize nas gracinhas e nunca solte: tá nervosinha, é?? nervosinha é a PQP!

domingo, 20 de julho de 2014

envelhecer..

depois dos 35 anos, fazer aniversário virou uma tortura. de um lado eu adoro receber o carinho que vem de todos os lados e que me enche a alma da mais completa alegria. de outro, bate aquela total paúra de estar absolutamente despreparada para o envelhecer que chega aos galopes. caramba! até um dia desses, eu era aquela menina que subia em todas as árvores que surgiam na minha frente. uma menina que vivia encardida da terra vermelha de brasília, porque simplesmente não conseguia dar conta de ficar em casa quietinha brincando de boneca. até dia desses, eu estava com meus amigos tão queridos do colégio dom bosco e depois metidésima estudando na unb. desfilava pelo minhocão como se todo aquele espaço me pertencesse. foi outro dia que decidi que não seria mais virgem, para acabar de vez com o que eu considerava uma bobagem. foi outro dia que no bom demais vi por muitas vezes a cássia cantar. no bom demais conheci o moço que seria o pai dos meus filhos. dia desses, eu estava em casa sozinha quando me peguei fazendo xixi nas calças, mas nem era isso, mas uma tal de bolsa estourando - minha amiga nina cláudia que me acudiu. dia desses eu quase morri de dor esperando por doze horas por um tal de parto normal - afinal eu era uma menina saudável e queria muito. foi dia desses que o mais novo se automatriculou na escola e não satisfeito não derramou uma única lágrima, enquanto todas as demais crianças se esgoelavam. foi dia desses que eu encontrei o amor de novo. e também dia desses que eu senti na pele o quanto dói a dor do amor. sabe dor que dói a pele? dia desses eu arrumei um empregão, num momento em que tinha a certeza que não daria para a coisa. dois filhos, um livro, muitos textos, alguns prêmios, uma casa, muitos bichos que já passaram e passam todo dia. a vida voa...e a sensação é que está rápido demais. não rola uma pausa? tipo um período sabático - sem aniversários, sem presentes, sem comemorações deliciosas, mas, em compensação - o corpo congela e não envelhece uma célula? não, rola, né! então, o jeito é celebrar a vida. a sorte danada de ser amada por tanta gente. a sorte danada de ter saúde e uma esperança infinita e teimosa.. acima de tudo, a sorte enorme de ter tão intocada a capacidade de sonhar e de ousar! ah! calendário! te pego lá fora!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

os 70 anos não celebrados

se você não tivesse me feito a enorme bobagem de morrer aos trinta, faria setenta anos neste dia 24 de abril. com certeza estaríamos nesta semana preparando uma enorme festa para o sábado, na qual iríamos convidar a parentalha toda. viria gente de metade de goiás, mais uns tanto de outros cantos do país. os meninos chegariam de são paulo com aquela renca de filhos. como você adorava uma música sertaneja, talvez teríamos contratado uma dupla para tocar apenas aquelas modas de antigamente. apesar de eu ser ainda um trisco de gente, me lembro como se fosse hoje o tanto que você gostava do menino da porteira e da história do joão de barro. duas canções que eu já achava tristíssimas aos seis anos e que hoje considero ainda mais doídas. mas, você gostava muito. eu bateria o pé para que a dupla cantasse os sucessos dos moços de pirinópolis e mais umas outras do xororó e do irmão dele. talvez porque eu não tive a oportunidade de virar gente grande com você, acabei não apanhando tanto amor pelo sertanejo. sou mais do rock, do samba e de uma boa música popular brasileira do tipo chico, caetano e djavan. em compensação, morro e vivo por conta de uma comida goiana. gosto de quase tudo, menos de quiabo e de jiló. mas, do resto....e a nossa festa seria farta de comida goiana. a mãe arranjaria uma bela de uma equipe de cozinheiros e cuidaria para que a pamonha fosse salgada, a empada com muita pimenta e a galinha devidamente cabidelada. para beber? cerveja, é claro. em festa de goiano não tem isso de bebida muito metida a besta. muita cerveja gelada e uns tragos de pinga para aquecer o coração. aproveitaríamos a festa para comemorar a formatura do seu neto mais velho. pois é. perdeu isso também. ontem foi a formatura dele e aposto que você iria estar ao nosso lado explodindo de orgulho. afinal, depois de assistir seus três filhos com o canudo de uma universidade pública, seria uma alegria danada ver que os netos estão tomando o mesmo rumo. na festa, você iria me pedir uns cigarros escondidos, porque duvido que a mãe deixaria que você ainda fumasse aos 70. por isso, clandestinamente, iríamos acender dois carlton e fumar no fundo do quintal. depois, dá-lhe balinhas para disfarçar o cheiro da nicotina. mas, também aposto que ela faria de conta que não percebera. afinal, estaria tão transbordando de alegria, que não iria se importar com essa bobagem. a noite seria de festa! momento de celebrar! momento de reafirmar o nosso enorme amor. pois é. não vai ter a comemoração. o sábado vai ser só mais um sábado. esta quinta, 24 de abril, apenas mais uma quinta. e eu? eu só posso me recolher à minha tristeza de não ter a chance de comemorar os seus setenta anos! beijo!