sábado, 9 de outubro de 2010

me arretei

eu tinha 18 anos e há pouco mais de três meses, estava com um namorado novo. estudava na universidade de brasília e  tinha uma vida sexual ativa. resumindo: eu transava com meus namorados. isso eram os anos 80, quando o fantasma da aids ainda não era tão monstruoso e o mundo respirava ainda os ares de libertação que haviam soprado nos sessenta e setenta. um belo dia acordei enjoada. eu tenho um estômago de  avestruz. nunca enjôo. a menstruação atrasou e decidi fazer um exame de gravidez. a verdade estava naquele envelope. 18 anos, universitária, namorado novo e grávida. muito grávida. no começo, curti a história. achei que seria muito bom ser mãe cedo - afinal, eu e o bebê poderíamos crescer juntos. eu teria bastante energia para cuidar dele e por aí vai. o namorado também achou que devíamos ter a criança. até que um dia, a minha ficha caiu. eu simplesmente não tinha a menor condição de ser mãe naquele momento. eu não era madura, não tinha um emprego razoável, ainda uns dois anos e meio de universidade, o namoro era recente. enfim, estava errado. tudo errado. preciso salientar que o meu corpo nunca foi amigo de pílulas anticoncepcionais. me faziam muito mal. o método usado era o coito interrompido e a camisinha. é lógico que ia dar merda. com a decisão tomada de não ser mãe aos 18, me restava arranjar o que fazer para não ser. a minha sorte imensa é a família que tenho e sou muito grata por isso. procurei minha mãe. contei a ela o que estava acontecendo e pedi ajuda. ela me ajudou e pelo resto da minha vida vou ser agradecida por isso. descobrimos uma clínica no rio de janeiro, ela me deu o dinheiro, comprou as passagens e ajeitou um lugar para eu ficar antes de voltar para casa. o namorado foi comigo. mas, apesar de todos esses cuidados e apoio, devem ter sido, até hoje, os dias mais difíceis da minha vida. para começar, eu estava com a péssima sensação de estar cometendo um erro - que depois a vida provou que não. morta de medo de ser presa - afinal, abortar é crime nesse país atrasado onde eu nasci. aterrorizada com a possibilidade de morrer na hora da sucção, ou que isso me deixasse sequelas. chorava sem parar. o fantasma da culpa rondava. eu estudei em escolas católicas a vida inteira e por diversas vezes, vi aquele filminho de fetos abortados. me sentia uma assassina. o tempo...ó, tempo, que é o remédio para quase todas as dores, tratou de curar a ferida. uns dez meses depois, eu me casei com esse namorado. uns dois anos depois, eu fiquei grávida de novo. ainda era estudante, mas já tinha casado, tínhamos uma vida precariamente organizada, mas já era alguma coisa. aí, decidimos levar a gravidez até o fim. foi muito difícil cuidar do nenê. como diz o djavan, só eu sei, as esquinas por que passei. mas, sobrevivemos. o que restou disso tudo é a minha mais absoluta certeza de que não há qualquer cabimento que outras meninas - como eu era..que outras mulheres passem por essa situação. e olha que eu sou da chamada classe alta. a minha família pagou para que eu tivesse o melhor tratamento possível. se eu fizesse parte da imensidão de miseráveis, provavelmente não estaria aqui digitando essa história. milhares de mulheres perdem a vida em abortos mal feitos. bom...acho que não deveria ter escrito isso. é uma passagem muito íntima da minha vida. o que me motivou, porém, foi esse assunto ter sido transformado no tema da semana. eu não votaria nunca em josé serra, por mais diferentes razões. mas...senhor candidato, o meu voto na urna no seu número significaria, pelo menos para mim, que eu não gosto das mulheres. significaria que eu quero ser conivente com uma realidade que considero monstruosa, de pessoas terem que recorrer à clandestinidade, correndo todos os riscos possíveis. isso sim eu considero um crime. ah! preciso esclarecer ainda que achei tão ruim, mas tão ruim ter abortado, que não repeti a dose. quero ser mico leão dourado se alguma mulher desse mundo vá dizer que interrompe uma gravidez sem sofrimento. não é assim. a dor é enorme. nenhuma mulher é favor do aborto. só são favoráveis os donos de clínicas clandestinas e os bandidos que ganham a vida explorando esse serviço. o que eu defendo e vou morrer defendendo é que eu ou a ana da favela do vidigal possamos receber um atendimento digno, com cuidado e responsável se resolvermos que não é a melhor hora de botar mais um moleque no mundo. só isso que eu quero...é pouco...muito pouco..

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