quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

ser ou não ser medíocre

ser ou não ser. eis a questão. há mais de 10 anos eu fui aprovada em um concurso e entrei no serviço público.foi uma decisão não das mais fáceis, porque eu sempre tive uma impressão péssima do serviço oferecido pelo estado. por um tempo na minha vida, quando doente, ia parar em hospitais públicos. as idas à emergência do hospital de base eu faço questão de apagar da memória. podia até contar historinhas tristes de algumas dessas vezes, mas é melhor mesmo não deixar essas lembranças aflorarem. e isso é só um exemplo. por outro lado, fui aprovada neste concurso alguns meses depois de ter me separado. estava com duas crianças pequenas em casa e para dar conta de pagar as contas mensais, tinha três empregos. definitivamente, duas crianças não ornam com três empregos. aí, o melhor dos mundos era tomar posse, e lá fui eu. estabilidade, salário garantido ao fim do mês e tempo para ficar com os meninos. para a minha sorte, fui parar num lugar onde a enorme maioria das pessoas parecia muito comigo. éramos jornalistas antes do ingresso no serviço público e jornalistas continuamos a ser. por conta disso, todos sabemos que o nosso trabalho começa na hora determinada para ter início e termina quando a matéria, ou as matérias estão devidamente gravadas. ou seja, o fim coincide com o fim da notícia e isso não tem hora. quantas e quantas vezes ficamos muito além do nosso horário. quantas e quantas vezes fomos escalados para trabalhar em feriados, ou em jornadas que iam além da combinada. e isso nunca foi um drama, porque o concordado era que nos dias de movimento mais fraco, podíamos chegar ou sair mais cedo. o esforço de um dia, que não fora monetariamente pago, era compensado de outra maneira. a vida seguia assim. eu fazia de conta que não era funcionária pública, mas jornalista, o que me dava um estímulo enorme para ir todos os dias para o meu trabalho e exercer as minhas funções da melhor maneira que eu sei. só que sabe-se em nome do que, as pessoas que administram o meu serviço resolveram varrer este senso profissional que havia em nós. que havia em mim. a brilhante ideia: determinar horário de entrada e horário de saída. não interessa se a notícia ainda está lá. a regra manda que se vá embora na hora X, porque se não o fizer, o profissional não ganhará um tostão a mais. vai virar relógio de corda. ah, mas pode-se também optar pelo horário comercial - de 8h às 12 e de 14 às 18. e aí....tudo o que acontecer na hora do almoço, deve ser ignorado. também não é para dar bola para as notícias que surgirem após o descer do sol. afinal, a jornada acaba às seis. só que os brilhantes administradores deste meu local de trabalho se esqueceram que lá as portas não são abertas às 8h e cerradas às 18h. normalmente, começa às oito, mas não para na hora do almoço, muito menos quando o anoitecer se aproxima. e agora? a sensação que tenho e que está me apavorando é que na sexta-feira eu fui para cama sendo uma jornalista e na segunda eu amanheci uma burocrata, e dane-se o jornalismo. dane-se o compromisso com a notícia. dane-se o compromisso com o cidadão, que paga o meu salário. querem que eu seja uma burocrata? eu podia e devia responder: então tá. é assim que vou ser. mas, o que mesmo que eu faço com a minha consciência? o que eu faço com o tesão que tenho de ser repórter? o que eu faço? a grande questão que me aflige é essa...ser ou não ser medíocre? e se é para ser medíocre, como ser medíocre e feliz?

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